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História do Acre
As secas nordestinas e o apelo econômico da borracha -- produto que no fim do século XIX começava sua trajetória de preços altos nos mercados internacionais -- inscrevem-se entre as causas predominantes na movimentação de massas humanas em busca do Eldorado acriano. As penetrações portuguesas do período colonial já haviam atingido seus pontos máximos no Brasil durante o século XVIII. Conseqüência inevitável foi a dilatação do horizonte geográfico na direção oeste, atingindo terras de posse espanhola, fato que se tornou matéria dos tratados de Madri (1750) e de Santo Ildefonso (1777). Ambos os tratados, partindo das explorações feitas por Manuel Félix de Leme nas bacias do Guaporé e do Madeira, estabeleceram como linha divisória das possessões respectivas, na área em questão, os leitos do Mamoré e do Guaporé até seu limite máximo ocidental, na margem esquerda do Javari.
O povoamento da zona, estimulado pela criação da nova capitania real de Mato Grosso (1751), deu-se na direção da fronteira, surgindo alguns centros importantes: Vila Bela (1752), às margens do Guaporé, Vila Maria (1778), no rio Paraguai, e Casalvasco (1783). Até meados do século XIX não se pensou em povoamento sistemático da área. Nessa época, o grande manancial virgem de borracha que aí se encontra atraíra o interesse mundial, provocando sua colonização de modo inteiramente espontâneo.
A política econômica do império, orientada para a atividade agrário-exportadora com base no café, não comportava o aproveitamento e a incorporação dos territórios do extremo ocidental. Desse descaso resultou que no Atlas do Império do Brasil (1868), de Cândido Mendes de Almeida, modelar em seu tempo, não figurassem o rio Acre e seus principais tributários, completamente desconhecidos dos geógrafos.
Apesar de tal política, alguns sertanistas brasileiros exploravam aquela região agreste e despovoada, desconhecendo se pertenciam ao Brasil, ao Peru ou à Bolívia. Assim, ainda em meados do século XIX, no impulso que a procura da borracha ocasionou, solicitada que era no mercado internacional, várias expedições esquadrinharam a área, buscando facilitar a instalação dos colonos. Nessa época, João Rodrigues Cametá iniciou a conquista do rio Purus; Manuel Urbano da Encarnação, índio mura grande conhecedor da região, atingiu o rio Acre, subindo-o até as proximidades do Xapuri; e João da Cunha Correia alcançou a bacia do alto Tarauacá. Todo esse desbravamento se deu, na maior parte, em terras bolivianas.
As atividades exploradoras, a importância industrial das reservas de borracha e a penetração de colonos brasileiros na região suscitaram o interesse da Bolívia, que solicitou melhor fixação de limites. Após várias negociações fracassadas, em 1867 assinou-se o Tratado de Ayacucho, que reconhecia o uti possidetis colonial. A divisória foi estabelecida pelo paralelo da confluência dos rios Beni-Mamoré, em direção ao leste, até a nascente do Javari, embora ainda não fossem conhecidas as cabeceiras desse rio.
Ocupação cearense.
À proporção que subia no mercado o preço da borracha, crescia a demanda e aumentava a corrida para a Amazônia. Os seringais multiplicavam-se, assim, pelos vales do Acre, do Purus e, mais a oeste, do Tarauacá: em um ano (1873-1874), na bacia do Purus, a população subiu de cerca de mil para quatro mil habitantes. Por outro lado, o governo imperial, já sensível às ofertas decorrentes da procura da borracha, considerou brasileiro todo o vale do Purus.
Também na segunda metade do século XIX registraram-se perturbações no equilíbrio demográfico e geo-econômico do império, com o surto cafeeiro no Sul canalizando os recursos financeiros e de mão-de-obra, em detrimento do Nordeste. O empobrecimento crescente dessa região impulsionou ondas migratórias em direção ao Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. O movimento de populações tornou-se particularmente ativo durante a seca prolongada no interior nordestino, de 1877 a 1880, expulsando centenas de cearenses, que rumaram para os seringais em busca de trabalho.
O avanço da migração cearense processou-se até as margens do Juruá e acelerou a ocupação das terras que mais tarde a Bolívia reclamaria. Os grandes leitos fluviais e a rede de seus tributários eram então intensamente trafegados por flotilhas de embarcações do mais variado porte, transportando colonos, mercadorias e material de abastecimento para os núcleos mais afastados. Os governos do Amazonas e do Pará logo instituíram as chamadas "casas aviadoras", que financiavam vários tipos de operações, garantiam créditos e promoviam o incentivo comercial nos seringais.
Planta nativa, a seringueira escondia-se no emaranhado de outras árvores, igualmente nativas, obrigando o homem que saía no encalço da borracha a construir um verdadeiro labirinto, com trilhas em ziguezague na selva. Do seringal surgiu a figura humana do seringueiro, associado à planta para explorá-la. Seringueiro-patrão, beneficiário do crédito da casa aviadora, e seringueiro-extrator, aviado, por sua vez, do patrão. Um morando no barracão, sempre localizado à beira do rio, com aparências de domínio patriarcal, outro, na barraca, de construção tosca, no meio da selva. (De 1920 em diante usa-se o neologismo seringalista para designar o patrão.)
Completara-se, assim, antes de findar o século XIX, a ocupação brasileira do espaço geográfico do Acre, onde mais de cinqüenta mil pessoas formavam, no recesso da mata dos três vales hidrográficos, uma sociedade original, cujo objetivo único era produzir borracha. Todo esse labor, porém, se operava no solo da Bolívia, país que, por fatalidade da geografia, não pudera completar a integração social e econômica, e mesmo política e geográfica, dos extensos vales do Acre, do alto Purus e do alto Juruá na comunidade nacional.
Com efeito, o artigo 1º do Tratado de Ayacucho, concluído pelo Brasil e pela Bolívia em 1867, mandara que a linha de fronteira fosse uma paralela tirada da foz do rio Beni com o Mamoré (10o20'), até encontrar a nascente do Javari. Com um adendo: se o Javari tivesse as nascentes ao norte dessa linha leste-oeste, a fronteira correria, desde a mesma latitude, por uma reta a buscar a origem principal do Javari.
No ano de 1877, no entanto, época dos primeiros estabelecimentos de brasileiros no Acre, ninguém sabia por onde passava o limite previsto naquele tratado. Ignorava-se, por outra parte, a exata latitude da nascente do Javari. Eram problemas técnico-geográficos difíceis de solver com presteza, devido à falta de recursos materiais. A direção dos rios da borracha foi a trilha natural da conquista nordestina (sobretudo do cearense), da qual também participaram grupos de paraenses e amazonenses.
A questão acriana.
Em 1890, um oficial boliviano, Juan Manuel Pando, alertou seu governo para o fato de que na bacia do Juruá havia mais de 300 seringais, com a ocupação dos brasileiros implantando-se cada vez mais rapidamente em solo da Bolívia. A penetração brasileira avançara em profundidade para oeste do meridiano de 64o até além do de 72o, numa extensão de mais de mil quilômetros, muito embora já estivessem fixadas as fronteiras acima da confluência do Beni-Mamoré, segundo o tratado de 1867.
Nomeou-se, em 1895, nova comissão para o ajuste da divisória. O representante brasileiro, Taumaturgo de Azevedo, demitiu-se após verificar que a ratificação do tratado de 1867 iria prejudicar os seringueiros ali estabelecidos. Em 1899, os bolivianos estabeleceram um posto administrativo em Puerto Alonso, cobrando impostos e lançando taxas aduaneiras sobre as atividades dos brasileiros. No ano seguinte, o Brasil aceitou a soberania da Bolívia na zona, quando reconheceu oficialmente os antigos limites na confluência Beni-Mamoré.
Os seringueiros, alheios às tramitações diplomáticas, julgaram lesados seus interesses e iniciaram movimentos de rebeldia. No mesmo ano em que a Bolívia implantou administração em Puerto Alonso (1899), registraram-se duas sérias contestações.
Em abril, um advogado cearense, José Carvalho, liderou uma ação armada, que culminou na expulsão das autoridades bolivianas. Logo depois a Bolívia iniciou negociações com um truste anglo-americano, o Bolivian Syndicate, a fim de promover, com poderes excepcionais (cobranças de impostos, força armada), a incorporação política e econômica do Acre a seu território. O governador do Amazonas, José Cardoso Ramalho Júnior, informado do ajuste por um funcionário do consulado boliviano em Belém, o espanhol Luis Gálvez de Arias, enviou-o à frente de contingentes militares para ocupar Puerto Alonso.
Gálvez proclamou ali a República do Acre, tornando-se seu presidente com o apoio dos seringalistas. O novo estado tinha o objetivo de afastar o domínio boliviano para depois pedir anexação ao Brasil, a exemplo do que fizera o Texas, na América do Norte. Ante os protestos da Bolívia, o presidente Campos Sales extinguiu a efêmera república (março de 1900, oito meses após sua criação). Luis Gálvez teve que capitular e retirou-se para a Europa.
Reinstalaram-se, então, os bolivianos na região, onde sofreram, a seguir, ataque de uma outra expedição que se constituíra em Manaus, com a ajuda do novo governador Silvério Néri, que também se opunha, nos bastidores, ao domínio da Bolívia sobre o Acre, de onde provinham, em forma de impostos, grandes quantias para o tesouro estadual. Composta de moços intelectuais, da boêmia de Manaus, a "Expedição dos Poetas" desbaratou-se após rápido combate em frente a Puerto Alonso (dezembro de 1900).
Ação de Plácido de Castro e intervenção diplomática.
Por fim, comerciantes e proprietários no rio Acre resolveram entregar a chefia de nova insurreição a um ex-aluno da Escola Militar de Porto Alegre, José Plácido de Castro, gaúcho de São Gabriel, que, à frente de um corpo improvisado de seringueiros, iniciou operações na vila de Xapuri, no alto Acre, e aí prendeu as autoridades bolivianas (agosto de 1902). Depois de combates esparsos e bem-sucedidos, Plácido de Castro assediou Puerto Alonso, logrando a capitulação final das forças bolivianas (fevereiro de 1903).
Influíra no espírito de Plácido de Castro o fato de haver a Bolívia arrendado o território do Acre a um sindicato estrangeiro (chartered company), semelhante aos que operavam na Ásia e na África. O Bolivian Syndicate, constituído por capitais ingleses e americanos, iria empossar-se na administração do Acre, dispondo de forças policiais e frota armada. Representantes dessa companhia chegaram à vila de Antimari (rio Acre), abaixo de Puerto Alonso, mas desistiram da missão porque os revolucionários dominavam todo o rio, faltando pouco para o fim da resistência boliviana.
Aclamado governador do Estado Independente do Acre, Plácido de Castro organizou um governo em Puerto Alonso. Daí por diante a questão passou à esfera diplomática. O barão do Rio Branco assumira o Ministério do Exterior e seu primeiro ato foi afastar o Bolivian Syndicate. Os banqueiros responsáveis pelo negócio aceitaram em Nova York a proposta do Brasil: dez mil libras esterlinas como preço da desistência do contrato (fevereiro de 1903). Subseqüentemente, Rio Branco ajustou com a Bolívia um modus vivendi que previa a ocupação militar do território, até o paralelo de 10o20', por destacamentos do exército brasileiro, na zona que se designou como Acre Setentrional. Do paralelo 10o20, para o sul -- o Acre Meridional -- subsistiu a governança de Plácido de Castro, sediada em Xapuri.
A 17 de novembro de 1903, Rio Branco e o plenipotenciário Assis Brasil assinaram com os representantes da Bolívia o tratado de Petrópolis, pelo qual o Brasil adquiriu o Acre por compra (dois milhões de libras esterlinas, ou 36.268 contos e 870 mil-réis em moeda e câmbio da época), e por troca de territórios (pequenas áreas no Amazonas e no Mato Grosso). Em conseqüência, dissolveu-se o Estado Independente, passando o Acre Meridional e o Acre Setentrional a constituírem o Território Brasileiro do Acre, organizado, segundo os termos da lei no 1.181, de 25 de fevereiro de 1904, e do decreto 5.188, de 7 de abril de 1904, em três departamentos administrativos: o do Alto Acre, o do Alto Purus e o do Alto Juruá, chefiados por prefeitos da livre escolha e nomeação do presidente da república.
Solucionada a parte da Bolívia, um outro caso tinha de ser resolvido com o Peru. O governo de Lima, alegando validez de títulos coloniais, reivindicava todo o território do Acre e mais uma extensa área do estado do Amazonas. Delegações administrativas e militares desse país tentaram estabelecer-se no Alto Purus (1900, 1901 e 1903) e no Alto Juruá (1898 e 1902). Os brasileiros, com seus próprios recursos, forçaram os peruanos a abandonar o Alto Purus (setembro de 1903).
Rio Branco, para evitar novos conflitos, sugeriu um modus vivendi para a neutralização de áreas no Alto Purus e no Alto Juruá e o estabelecimento de uma administração conjunta (julho de 1904). Isso não impediu um conflito armado entre peruanos e um destacamento do exército brasileiro em serviço no recém-criado departamento do Alto Juruá. A luta findou com a retirada das forças peruanas.
À luz dos títulos brasileiros e dos estudos das comissões mistas que pesquisaram as zonas do Alto Purus e do Alto Juruá, Rio Branco propôs ao governo do Peru o acerto de limites firmado a 8 de setembro de 1909. Com esse ato completou-se a integração político-jurídica do território na comunidade brasileira.
De território a estado.
A organização administrativa do Acre, decretada em 1904, alterou-se em 1912, com a criação de mais um departamento: o do Alto Tarauacá, desmembrado do departamento do Alto Juruá. De 1920 até 1962, a administração do território do Acre era unificada, exercida por um governador, de livre escolha e nomeação do presidente da república. A constituição de 1934 concedeu ao território o direito de ter dois representantes na Câmara dos Deputados, critério mantido pela constituição de 1946. Em 1957, o deputado federal José Guiomard dos Santos apresentou projeto que elevava o território a estado; daí resultou a lei nº 4.069, de 12 de junho de 1962. Dois anos depois, o governador José Augusto de Araújo teve suspensos seus direitos políticos. Em 1988, o assassinato do ecologista Chico Mendes abalou o país, e em 1992 foi morto em São Paulo o próprio governador do estado, Edmundo Pinto.
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